Prefácio

Prefácio do livro
Infância, a Idade Sagrada
de José Henrique Volpi


Desde a época em que Reich fazia parte do seleto grupo de psicanalistas seguidores de Freud, percebeu que não apenas o tratamento da neurose era importante, como também o era a sua prevenção para que dessa forma pudéssemos ter uma sociedade mais saudável. E foi nessa direção, da prevenção, que Reich enveredou seus estudos e pesquisas chegando até mesmo a apontar caminhos para uma educação mais saudável que poderia desembocar no que ele chamou de caráter genital, o mais equilibrado e saudável de todos.
Lamentavelmente as idéias de Reich não foram aceitas pelos psicanalistas da época, pois as mesmas não condiziam com o pensamento mecanicista impetrado pela ciência. Seria mais cômodo deixar o ser humano sucumbir em sua própria ignorância e doença, do que alertá-lo para a saúde emocional por meio da prevenção. Mas esse tipo de pensamento é o que ainda se vislumbra na atualidade, cinqüenta anos após a morte de Reich, ocorrida em 1957. Em se tratando das doenças emocionais, os recursos ainda são escassos e a valorização desse tipo de trabalho ainda é pequena. Há uma série de questões que precisam urgentemente ser modificadas no âmbito da educação e da saúde emocional, se ainda pretendermos um dia ter um mundo mais saudável.
Antigamente pouco se sabia a respeito dos fatores que provocavam ou desencadeavam as doenças emocionais. Hoje em dia sabe-se que é possível que o estresse sofrido pela mãe durante a gestação, já interfira no estado emocional e energético do bebê. Sabe-se também da importância da ligação afetiva e energética que a mãe precisa ter com seu bebê, mesmo que ainda no útero, para formar o que Reich chamou de campos energéticos. Esses campos se estendem para o resto da vida do novo ser e irão determinar as formas como se estabelecerão as relações futuras, que poderão ser com base no afeto, no carinho, no respeito, ou então, na raiva, no descaso, na agressividade, ou de outra forma qualquer. Disso também faz parte o temperamento, que é herdado, a personalidade e o caráter, que são adquiridos. Portanto, as relações afetivas estabelecidas entre o novo bebê com as demais pessoas à sua volta, será dada de acordo com o seu temperamento, a sua personalidade e o seu caráter, sendo estes últimos formados a partir daquilo que o bebê recebeu, sentiu e aprendeu no decorrer de sua maturidade física e emocional.
Mas temos falhado consideravelmente enquanto pais e educadores. Muitas vezes, nossas atitudes neuróticas de pais e educadores causam sérios prejuízos emocionais às nossas crianças, impedindo-as de serem naturais e espontâneas. Como resultado, encontraremos futuros adultos envolvidos por um deserto emocional de ampla escala, cujo caráter se coloca cada vez mais fora da natureza, acreditando o ser humano o senhor desta e portanto, sentindo-se no direito até mesmo de dominá-la e destruí-la. Mas então, qual será o futuro da humanidade?
Reich sempre foi muito esperançoso e acreditava que era possível mudar a humanidade, desde que nos preparássemos e nos investíssemos de coragem e determinação para encarar nosso miserável fracasso. Dizia que não podemos dizer às crianças o tipo de mundo que devem construir, mas equipá-las de uma estrutura de caráter saudável, cujo vigor biológico as tornaria capacitadas a tomar suas próprias decisões, encontrar seus próprios caminhos, dirigir seu próprio futuro, contribuindo dessa forma para a criação de um mundo mais saudável.
Durante vários anos Reich se dedicou ao estudo do que poderia ser uma criança saudável. Reuniu á sua volta os profissionais interessados nessa questão, preparando-os para a tarefa de que a saúde infantil era um problema da educação. Criou assim o chamado Centro Orgonômico para a Pesquisa sobre a Infância (OIRC), uma organização exclusivamente de pesquisa para esse fim, cuja premissa básica se dá no crescimento infantil tanto no aspecto físico quanto emocional, de modo saudável e auto-regulado, sem obstáculos e imposições que vão contra seus desejos. Criar crianças saudáveis não é uma tarefa simples, nem fácil; porém, não é de todo impossível.
Ainda pouco se sabe sobre o que é ou poderia vir a ser uma criança saudável, mas uma coisa é certa: não podemos continuar perpetuando o peso de uma educação neurótica e vivendo na completa ignorância sobre o desenvolvimento afetivo e os comprometimentos que podemos causar em uma criança. Não devemos continuar cometendo os mesmos erros enquanto pais e educadores e impedindo o desenvolvimento natural e saudável de nossas crianças.
Toda criança nasce com um maleável sistema bioenergético pronto para adquirir qualquer coisa que o meio ambiente imprima em seu organismo e em seu psiquismo, com um certo grau de persistência. Portanto, não devemos lutar para criar crianças que não tenham problema algum, mas para livrá-las de encouraçamentos patogênicos, de modo que nenhum sintoma possa criar raízes e persistir. Assim, precisamos estar sempre atentos aos danos emocionais que nós adultos, com nossas regras, moralismos, neuroses, causamos na vida de nossas crianças.
Por isso, é importante reconhecer a tempo erros e idéias equivocadas sobre a educação infantil e considerar que a cada nova geração é necessário um ajustamento das medidas educacionais, de modo que sejam mais condizentes com os ideais políticos, religiosos, morais e outros da época em que se vive, mas sempre levando em conta as necessidades das crianças.
As crianças nascem sem couraças, mas se tornam emocionalmente bloqueadas em sua bioenergia e em suas emoções porque são podadas por pais e educadores encouraçados que desenvolvem idéias errôneas sobre como a criança deveria ser ou fazer. Reich sempre afirmou que “quase toda mãe sabe profundamente o que a criança é e do que ela precisa, mas a maioria das mães segue teorias falsas e perigosas, de teóricos superficiais, em vez de ouvir seus próprios instintos naturais”.
Muitos são os que se aventuram a escrever sobre o desenvolvimento psico-afetivo ou a importância das relações afetivas durante a gestação e infância, mas poucos são os que captam as idéias que Reich nos brindou a respeito da importância da prevenção da saúde emocional. Por esse motivo é que quando li o livro de Evania Reichert e fui convidado a escrever o prefácio do mesmo, fiquei lisonjeado com o convite e admirado com a bravura e articulação que a autora fez, abordando a questão da infância de uma forma múltipla, comparando autores e teorias com outras teorias que também podem se somar aos pensamentos postulados por Reich.
Assim, acredito que esse livro é de muita utilidade não apenas a terapeutas e psicoterapeutas, de qual abordagem forem, como também a pais e educadores que cada vez mais precisam estar cientes dessas questões para ao menos minimizar o efeito da formação das possíveis couraças que possam provocar em seus filhos, mesmo sem qualquer intenção.

José Henrique Volpi
Psicólogo, Psicodramatista e Analista Reichiano,
Mestre em Psicologia da Saúde e Doutor em Meio Ambiente
e Desenvolvimento. Diretor do Centro Reichiano.
Curitiba - Paraná